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Empresário: A herança dos seus filhos corre perigo

As mudanças implementadas com a reforma tributária estão tramitando em ritmo acelerado, sem o necessário debate no congresso nacional. Um exemplo disso é a recente aprovação do PLP 108/2024: ele foi apresentado na Câmara no dia 05/06/2024, em regime de tramitação de “urgência” e aprovado em pouco mais de 60 dias. Na data em que este artigo foi escrito, o referido projeto de lei complementar ainda pende de análise e aprovação pelo Senado.

A reforma tem trazido preocupação para os Estados da Federação diante da possível perda de arrecadação, razão pela qual muitos deles já estão adotando medidas preventivas. Dentre as medidas em curso pode-se citar a majoração do imposto sobre herança e doações, denominado ITCMD. Durante muitos anos os Estados não dedicaram muito da energia do aparato fiscalizatório a esse tributo, mas, tudo indica que o cenário deve mudar nos próximos anos.

Nos últimos vinte anos a legislação dos Estados brasileiros acerca desse tributo vem criando variadas formas de incrementar a cobrança, seja por meio do aumento da base de cálculo ou da tentativa de ampliar as hipóteses de incidência. O motivo de preocupação para aqueles que exercem atividade empresarial diz respeito às formas atualmente utilizadas para aplicação da alíquota do imposto nas quotas de uma empresa. Há alguns anos o valor nominal das quotas de uma sociedade empresária (capital social) poderia ser suficiente para recolhimento do tributo ITCMD, mas, hoje não mais.

Vejamos a seguir um exemplo prático para melhor compreender o que era feito no passado e aquilo que mudou. Imaginemos o caso de JOÃO, casado com MARIA no regime da comunhão universal de bens, com um único filho de nome JOSÉ. JOÃO é dono de uma empresa imobiliária no setor de construção civil, com capital social de R$100.000,00 (cem mil reais), e, possui 100% das quotas da empresa. Antigamente, no caso de eventual falecimento de João, sua participação na sociedade seria objeto de inventário e a herança corresponderia a 50% do valor nominal dessas quotas, ou seja, R$50.000,00 (cinquenta mil reais) iria para o inventário, ao passo que a metade R$50.000,00 não estaria sujeita ao pagamento de tributo, pois é a metade devida à esposa em razão do regime da comunhão universal. Em Santa Catarina, aplicando-se as alíquotas progressivas atuais de 1% sobre o valor de até vinte mil reais e de 3% sobre a faixa de vinte mil até cinquenta mil reais, chegamos ao valor de tributo de R$1.099,99 que seria devido pelo herdeiro JOSÉ.

Essas realidade era plenamente possível enquando os Estados ainda não tinham criado normas para reavaliar o valor das quotas da sociedade empresária. Ao perceberem que muitas dessas empresas tinham no seu patrimônio bens cujo valor era superior ao valor nominal das quotas (capital social), foram feitas regras para a tornar possível a utilização de outra base de cálculo, correspondente ao valor de mercado dos bens que integram o patrimônio da empresa. Em Santa Catarina, essas regras estão no Regulamento do ITCMD (artigo 6º, §4º), que determina a incidência do tributo sobre o valor do patrimônio líquido da empresa, reajustado pelos ativos e passivos ao valor de mercado na data do envio da declaração1.

No caso de uma empresa imobiliária como aquela do exemplo acima, o herdeiro do empresário deverá utilizar na sua declaração do imposto de herança o valor do patrimônio líquido da empresa, reajustado pela reavaliação de todos os bens imóveis que estão registrados naquele CNPJ, respeitando os valores de mercado das tabelas do próprio Estado. Não são raros os casos em que o valor de mercado é inferior ao valor da tabela dos Estados, que buscam a todo custo aumentar a base de cálculo do imposto. Logo, se o acervo imobiliário dessa empresa tiver o valor de mercado de cinquenta milhões de reais, essa será a base de cálculo do imposto ITCMD, desconsiderando-se o valor nominal das quotas sociais de cem mil reais. Nesse exemplo, utilizando-se as alíquotas progressivas do ITCMD da lei de Santa Catarina sobre o patrimônio líquido de R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), chega-se ao valor de tributo de R$3.495.599,98 (três milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil, quinhentos e noventa e nove reais e noventa e oito centavos).

Ora, dependendo da quantidade de bens imóveis registrados no CNPJ da construtora e do seu patrimônio líquido ajustado, há um grave risco de se sofrer uma tributação indevida. O fiscal responsável pela homologação da declaração tem o poder de decidir se é ou não necessário reavaliar o acervo patrimonial, pois, o regulamento do ITCMD autoriza que ele assim o faça.

Essa situação aumenta a insegurança jurídica de famílias empresárias, pois, se a mera utilização da base de cálculo do patrimônio líquido da empresa já tem o potencial de descapitalizá-la, quanto mais no caso de empresas imobiliárias, que estão sujeitas ao arbítrio de um fiscal para análise e reavaliação patrimonial. Dependendo do humor e da sede arrecadatória do Estado em que a empresa está sediada, o inventário das quotas sociais ou das ações da sociedade pode resultar em um imposto ITCMD altíssimo, comprometendo de modo severo a saúde financeira da empresa.

Feitas essas considerações, é crucial que os empresários procurem assessoria especializada para proteger seus ativos e a continuidade dos seus negócios, pois, existem alternativas jurídicas eficazes disponíveis para resolver os problemas indicados neste artigo. A holding familiar, por exemplo, é uma das ferramentas que vem ganhando força nesse segmento e sua importância não pode ser desprezada.

Aqueles que deixarem de efetuar um planejamento sucessório preventivo serão engolidos por um Estado cada vez mais voraz, que não se compadece do cidadão nem no momento de maior fragilidade, como ocorre na perda de um ente querido. Prevenir não é apenas uma opção, é uma necessidade.

 

CICERO ANTONIO FAVARETTO é advogado especialista em direito tributário e planejamento patrimonial e sucessório, com ênfase na estruturação de holdings familiares.

OAB/SC nº28.059

 

 

1  Art. 6° A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos, dos títulos ou dos créditos transmitidos ou doados.

[...]

§ 4º O valor das ações, quotas, participações ou de quaisquer títulos representativos do capital social de sociedades empresárias, sociedades simples ou do patrimônio de empresário ou da empresa individual de responsabilidade limitada, não negociados em bolsa, será o valor do patrimônio líquido ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do envio da DIEF-ITCMD.