Depois de investigar no primeiro artigo dessa série a correção monetária, o objetivo desse artigo é descobrir como a progressividade das alíquotas também serve para subtrair recursos dos cidadãos de forma indevida, com um bônus para aqueles que a implementam: essa regra transmite a mensagem de que o tributo serve para fomentar a justiça social.
Para os defensores da progressividade de alíquotas, a lógica dessa regra é que quanto maior o valor envolvido na operação tributável maior a alíquota, e, consequentemente, maior o tributo a pagar. A justiça social envolve o raciocínio de que aqueles que mais recebem, devem sofrer maior tributação. Os mais pobres, seriam beneficiados com alíquotas mais baixas, que resultam em menor imposto.
Geralmente essa forma de tributar exige que o governo aprove uma lei com uma tabela, mencionando as faixas de valores nas quais incide cada alíquota. Isso ocorre com o imposto sobre a renda, imposto sobre herança, dentre outros tributos. Para fins de ilustrar a progressividade na prática, veja-se abaixo como funciona a tabela do imposto sobre a herança e doações em Santa Catarina, instituída na Lei nº 13.136/04:
A base de cálculo mostra o valor em que inicia a primeira faixa do tributo, com alíquota de 1%. Conforme o valor da base de cálculo aumenta, surge uma nova alíquota que será aplicada sobre aquela faixa de valor. Por exemplo, se o cidadão receber uma herança de R$50.000,00, na faixa de valor entre zero e vinte mil reais incide 1%, correspondente a R$200,00 de imposto. Na faixa seguinte, de R$20.000,01 até R$50.000,00, incide a alíquota de 3%, correspondente ao tributo de R$899,99. Com a progressividade, o total do imposto a pagar é obtido a partir da soma de R$200,00 da primeira faixa com o valor de R$899,99 da segunda faixa, totalizando R$1.099,99 de tributo de herança.
Em resumo, uma herança de apenas cinquenta mil reais já estaria sujeita à tributação. Ora, é evidente que aqueles que recebem uma herança de cinquenta mil reais não são ricos. Tanto é verdade que em 2023 e 2024 foram editadas leis em Santa Catarina para isentar o pagamento do imposto de herança àqueles beneficiados com um único imóvel de até duzentos mil reais, e, para o recebimento de valores em espécie de até vinte mil reais. A justificativa para as mudanças era proteger aqueles mais pobres com o benefício fiscal da isenção. Entretanto, antes da modificação da lei esse tributo foi exigido de milhares de pessoas sem qualquer ressalva.
O fato é que, durante o discurso político a progressividade é tratada como uma forma de implementar justiça social, mas, quando analisado o conteúdo das mais diversas leis e tabelas editadas pelos Estados, as alíquotas incidem desde o princípio em faixas de valores muito baixas, tornando heranças e doações insignificantes sujeitas à tributação.
Além do fato de incidir em valores muito baixos, há outro ponto relevante ignorado nessa forma de tributação: nenhum Estado faz constar nas suas leis que as tabelas e alíquotas deverão ser corrigidas anualmente pela inflação, de forma automática. No caso específico de Santa Catarina, a Lei nº 13.136/04 foi publicada em 2004, com as faixas tributáveis e percentuais que tinham como referência o poder de compra da moeda naquele período. De 2004 em diante houve expressiva desvalorização do real, mas as faixas de tributação permaneceram sem qualquer atualização.
A omissão em atualizar essas faixas, somada ao movimento inflacionário que é de responsabilidade do governo, faz com que cada vez mais pessoas beneficiadas com um valor baixo estejam sujeitas à tributação de uma alíquota maior. Voltemos ao exemplo de cinquenta mil reais; esse valor em 2004, no ano da publicação da lei, tinha determinado poder de compra. Em janeiro de 2025, vinte anos depois da edição da lei estadual, esse poder de compra foi reduzido pela inflação acumulada do período, conforme demonstra o cálculo de atualização monetária abaixo:
Logo, se as tabelas e alíquotas passassem por uma atualização periódica, os cinquenta mil reais da lei de 2004 representariam hoje R$150.537,92. Como inexiste atualização monetária, se recebida uma herança no valor de R$150.537,92 ela estaria sujeita a três faixas de alíquota: na faixa de valor entre zero e vinte mil reais incide 1%, correspondente a R$200,00 de imposto, na faixa seguinte, de R$20.000,01 até R$50.000,00, incide a alíquota de 3%, correspondente ao tributo de R$899,99, na faixa entre R$50.000,01 e R$150.000,00, incide 5%, correspondente ao tributo de R$4.999,99, e, na faixa entre 150.001,00 e 150.537,92, incide o percentual de 7%, correspondente ao tributo de R$37,65. A soma das faixas gera o valor de tributo a pagar de R$6.137,63.
Entretanto, como visto acima o valor nominal de R$150.537,92 representa aquela quantia de R$50.000,00 no ano de 2004, recomposta pelo IPCA. Se nós atualizássemos o valor de tributo de R$1.099,99, que seria aquele devido sobre cinquenta mil reais em 2004, pela inflação do período de 2004 até 2024, o valor de imposto seria de R$3.311,80, vide atualização abaixo:
Percebe-se assim que a omissão do governo em atualizar as faixas de tributação pela inflação resulta em ganho para o Estado, uma vez que o movimento inflacionário e a desvalorização da moeda faz com que o valor nominal recebido esteja sujeito a faixas de tributação superiores. No exemplo citado, o valor nominal de cinquenta mil reais em 2004 gerou uma arrecadação de R$1.099,99, ao passo que o valor de cinquenta mil reais corrigido pela inflação em 2025, ou seja, de R$150.537,92, gerou uma arrecadação de R$6.137,63. Ainda que o valor de R$1.099,99 arrecadado em 2004 fosse atualizado, ele seria de R$3.311,80, praticamente a metade da arrecadação efetivamente obtida.
Quando o Estado percebe que está perdendo uma oportunidade de incrementar seus cofres, ele consegue criar e editar leis com uma velocidade incrível. Contudo, quando a inércia serve para benefíciá-lo, o governo ignora as questões mais elementares, como a necessidade de atualizar as tabelas de tributos com base na inflação.
CICERO ANTONIO FAVARETTO, advogado especialista em direito tributário e planejamento patrimonial e sucessório - OAB/SC nº 28.059